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26 de outubro de 2009

A portugalidade vista a partir de uma ex-colónia

Estive recentemente em Cabo Verde por motivos profissionais e mais uma vez (tal como já me tinha acontecido noutras visitas a PALOP) um sentimento contraditório foi-me invadindo ao longo dos dias - por um lado, um imenso orgulho por termos como língua de trabalho numa reunião oficial com mais de 7 países a língua portuguesa (ao contrário das varíadissimas vezes em que estou em reuniões onde só se fala inglês); e por outro, uma profunda tristeza pelos 'factos escondidos' por trás daquela aparente portugalidade.

Brasileiros, guineenses, são-tomenses, moçambicanos, cabo-verdianos, angolanos, timorenses falam português. Português correcto! Fonética e gramaticalmente!
Em Cabo Verde bebe-se Sagres e Super Bock, Compal e Caramulo. A Cidade Velha é de origem portuguesa. A Sé de origem portuguesa está em ruínas. O Forte de origem espanhola está impecavelmente restaurado e recuperado, com direito a visita guiada para reafirmar a história e a epopeia espanhola da conquista dos mares e das terras. De nós, portugueses, uma história sobre um bispo que 'deixou muitos filhos' passa de boca em boca entre as pessoas da vila. E riem-se os brasileiros, os guineenses, os são-tomenses, os moçambicanos, os cabo-verdianos.

O professor de história da Universidade da Praia também se ri. E a bom rir.

Até que alguém lhe deve ter dito que havia uma portuguesa... que até estava lá para dar uma conferência naquela reunião internacional, oficial... e aí: 'é portuguesa?... desculpe... mas é que o bispo deixou mesmo muitos filhos'...

Eu sei, muitos filhos que contribuiram para a mestiçagem (disse-lhe eu) um dos maiores contributos culturais, sociais e históricos que os portugueses puderam deixar... e que se revela nos traços de cada rosto de um/a cabo-verdiano/a... e que bem fica a mestiçagem... e que bom é termos trocado sangues, cores de pele, hábitos culturais, língua e linguagens... se a história foi contada com troça sobre os portugueses eu tentei dar-lhe dignidade. O Professor de História concordou!

Mas a referência a Portugal é esta... é troçista!

O Brasil é a grande referência de desenvolvimento. O Brasil luta pela língua portuguesa (mesmo que na versão pós-acordo ortográfico) mobilizando-se para que se torne língua oficial de trabalho na UNESCO e noutros fóruns de referência.

E a nós, resta-nos um punhado de pessoas que ainda pensam que os territórios africanos outrora ocupados ainda deveriam ser Portugal e tentam através de negociatas resgatar algum poder perdido, e um outro grande grupo que só lá vê um conjunto de destinos turísticos protegidos pelos resorts que não deixam ver, não deixam tocar, não deixam partilhar essa herança comum que é a mestiçagem da língua e da cultura.

Gostaria que um dia olhassem para a herança de portugalidade ultrapassando o Benfica, o Porto e o Ronaldo... ou os bispos que deixaram muitos filhos... pois acredito profundamente que podemos continuar a partilhar tanto e em tantos domínios.

Obrigada por me terem deixado partilhar convosco esse vosso mundo durante a minha estada em Cabo Verde.

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